Publicado por: Fabrício Campos
Segundo a recém divulgada Operação Bancarrota (desdobrada da Câmbio, Desligo, desdobrada da Lava Jato, etc), quatro dos maiores bancos do País foram usados por doleiros para lavagem de dinheiro. A hipótese trouxe à tona um exemplo típico de falhas de setores de compliance bancário na prevenção de lavagem de ativos e de crimes financeiros em três instituições privadas e uma pública.
Segundo foi divulgado, ao menos dois gerentes tiveram prisões decretadas, acusados de terem facilitado, mediante pagamento de propina, a abertura e manutenção de contas de empresas de fachada. Em outros casos, teria ocorrido negligência dos mecanismos de controle interno em verificar a capacidade financeira de empresas que movimentavam milhões de reais nas contas abertas. Se por um lado as falhas internas correspondem a deficiência nos métodos de prevenção de práticas de lavagem, a notícia de que funcionários dos bancos aceitariam propinas chama a atenção para o problema da corrupção no setor privado. E essa peculiaridade da colaboração de funcionários de bancos vai colocar a questão da corrupção privada no radar da polícia brasileira.
Na esfera pública, o crime de corrupção corresponde à solicitação ou recebimento, por parte de funcionários, de valores indevidos em troca da prática ou da omissão de certos atos inerentes à sua própria atividade. Mas no caso de atos de corrupção do setor privado, funcionários de empresas não estatais é que praticam atos lesivos ao patrimônio ou reputação da entidade, em troca do recebimento de vantagens indevidas. Nesse último caso, entretanto, não há crime. A acusação da operação Bancarrota é “apenas” por lavagem de ativos.
Mesmo que o tema seja controverso, até porque saber quais setores poderiam ser abrangidos pela definição de corrupção privada seja ainda objeto de várias polêmicas, a chegada desse novo crime ao nosso Código Penal é inevitável. Mais cedo ou mais tarde, amplos setores empresariais terão que conviver com isso, a começar pelo sistema financeiro, passando pelo imobiliário, contábil, rural, alimentício, farmacêutico, hospitalar e de construção civil.
Seguindo uma tendência mundial, especialmente irradiada pelos estados que encabeçam a OCDE (e o atual governo quer que o Brasil entre no rol de seus integrantes), fala-se que o combate à lavagem e à corrupção passa também pela criação de mecanismos para punir práticas de corrupção de trabalhadores e dirigentes de empresas privadas, ainda que em situações onde não há envolvimento de dinheiro ou contratos públicos. A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, por exemplo, é apenas um dos vários instrumentos internacionais que recomendam a criminalização da corrupção privada.
A tendência é que a interação entre o poder público e o setor privado passe a um novo patamar de vigilância criminal. Ao invés de agir apenas em fiscalizações aleatórias, o poder público vai exigir que as empresas tenham mecanismos de controle que efetivamente evitem o descumprimento das leis, o que corresponde, não sem algum exagero, na transformação da empresa em fiscal de si mesma, ficando sujeita a punições brutais pela eventual falha nesses processos autorregulatórios. E se as empresas, querendo ou não, vão se tornar extensões da atividade de vigilância e controle do estado, a corrupção de funcionários privados (e o combate a essas práticas) será tema de tanta importância quanto o combate à corrupção de agentes públicos.