Deixar de pagar imposto por causa da pandemia é crime?

As determinações de isolamentos, quarentenas e fechamento temporário do comércio no Brasil e no mundo para conter a epidemia da Covid-19 causam efeitos fulminantes na economia. Diante disso, os governos federal e estaduais começam a organizar e, mais à frente, implementar, políticas de apoio aos setores atingidos pelas medidas sanitárias e pelos impactos na saúde coletiva que já estão acontecendo e, infelizmente, ainda marcarão nossa rotina. 


Mesmo assim, no campo tributário, nem mesmo eventuais isenções ou programas de parcelamento poderão salvar setores já combalidos pela crise dos últimos cinco anos. Nesse contexto, é possível que empresas escolham o não pagamento de tributos em favor da folha de pagamento ou do fluxo de caixa. E neste caso, o não pagamento de tributos é crime?


Grande parte da decisão sobre o que deve ser ou não considerado crime acaba nas mãos do Poder Judiciário. Tanto que só recentemente o Superior Tribunal de Justiça entendeu que a falta de recolhimento de ICMS deve ser considerada crime. Da mesma forma, a falta de recolhimento aos cofres públicos das contribuições previdenciárias descontadas dos empregados também é punida com detenção e multa.


Entretanto, os tribunais também entendem que a demonstração, por parte do empresário, de dificuldades financeiras pode evitar a aplicação de pena por “inexigibilidade de conduta diversa”, isto é, pela impossibilidade de se manter a atividade sem sacrificar o recolhimento. Na prática, isso evita a penalidade criminal, não a cobrança. Além disso, para que haja a isenção da pena é necessário provar as dificuldades, o que exige levantamento da saúde (ou falta de) financeira da empresa. 


Assim, a não ser que alguma alteração na lei ocorra, a falta de recolhimento de tributos ou contribuições previdenciárias continuará a ser considerada crime. 


É claro que dentre as medidas do poder público, seria conveniente alguma flexibilização das regras penais, no mínimo para facilitar a demonstração, por parte das empresas, da conexão entre o cenário atual e o fôlego financeiro do negócio. Mas enquanto isso não ocorre, os compromissos tributários devem ser cumpridos à risca, ficando a janela da “inexigibilidade de conduta diversa” ainda aberta, só que numa fresta muito estreita diante do cenário de turbulência econômica que se anuncia. 


Artigo publicado no Jornal Estadão em 02/04/2020: bit.ly/39FQzNS